Minha história
Teatro para melhorar a vida das pessoas
Natural do município de Giruá, Maria Inez Flores Pedroso, veio para Santa Rosa com nove anos de idade.
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Sou muito feliz com o que faço.
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Família
Desde a década de 70, Maria mora em Santa Rosa, no Bairro Cruzeiro. Ela lembra que a época era de expansão da soja na região e no estado. “Valdemar Pisoni havia criado uma empresa e precisava de um operador de máquinas para trabalhar no preparo das lavouras de soja. Meu pai exercia tal função na prefeitura municipal de Giruá, aceitou o convite e passou a trabalhar com ele. Lembro-me muito bem do dia em que chegamos ao bairro Cruzeiro, logo gostei do que vi. Meu pai parou o caminhão com a nossa ‘mudança’, em frente à Rodoviária de Cruzeiro (hoje Farmácia do Pedrinho) e eu vi, do outro lado, a Praça decorada com ciprestes moldados em variadas formas”. Maria, que tem cinco irmãs e três irmãos, lembra que sua família é de origem humilde, e seus pais sempre prezaram e ensinaram valores sólidos de ética e respeito ao próximo. “Fomos criados com liberdade para ‘viver a infância’ e com grande cobrança e incentivo ao estudo”. Casada, Maria tem um filho, que é estudante de Relações Internacionais.
Formação multidisciplinar
Maria cursou Magistério na Escola Visconde de Cairu; quando terminou, em 1982, quis continuar seus estudos. “Considero que este foi meu primeiro grande desafio: persistir ou desistir. Meus pais não tinham condições financeiras para pagar minha faculdade, precisavam ajudar meus irmãos mais novos. Fiz o vestibular e passei. Aí veio o problema: e agora, como pagar? Iniciei o curso de Pedagogia, fiquei o primeiro semestre sem pagá-lo, esperando o resultado da seleção de financiamento, que naquela época chamava-se Crédito Educativo. Dá para imaginar o alívio que tive quando soube que fora contemplada. Naquele mesmo ano comecei a trabalhar como monitora de CEBEM (Centro do Bem-Estar do Menor, mantido pela Prefeitura Municipal) e esta foi a minha segunda escola”. Maria comenta que iniciar sua carreira no Magistério, com crianças em situação econômica difícil foi gratificante, teve muitas lições de humildade, de superação, de afetividade, que lhes ensinaram muito e foram decisivas para gostar da profissão que escolheu. “Logo depois fiz meu primeiro curso de especialização e, a partir dele, iniciei meu lado de pedagoga e pesquisadora. Fiz duas monografias com a temática da necessidade da arte para o ser humano ser ‘mais humano’, uma delas foi sobre o Teatro Terapêutico, cursei mestrado e minha dissertação foi ‘As Cenas e o espectador’, com um capítulo dedicado ao teatro na escola. Acabei, recentemente, MBA em Recursos Humanos, no qual ampliei conhecimentos e liguei-os à Pedagogia. Além disso, publiquei vários artigos e trabalhos em eventos de Arte e Educação, auxiliei o setor de Lazer do SESI em pesquisa com egressos do SESI Show. Atualmente, trabalho na Escola Estadual de Educação Básica Cruzeiro na qual atuo como Orientadora Educacional, professora de Filosofia e professora de teatro para adolescentes. Ministro oficinas de teatro em empresas, para grupos da terceira idade e a quem quiser vivenciar a arte teatral”.
Atuação comunitária
Maria diz ser curiosa, gosta muito de ler e escrever. Neste mês de outubro vai lançar seu primeiro livro com a temática da adolescência: “Algo mais - Cenas da vida adolescente”, ilustrado por Taciara Aragilar que interpretou os contos com o seu olhar de adolescente e com um belo trabalho de diagramação realizado pelo Clairto Martin e Sávio Hermes.
Ela também é participativa na comunidade. “Organizo meu tempo de maneira que eu possa me envolver em várias atividades. Não consigo ser alheia à minha cidade, não consigo ser apenas uma observadora, gosto de estar presente, de ajudar, de colaborar com ideias e ações para ver os objetivos serem alcançados. É muito bom celebrar as vitórias e ver que a dedicação valeu a pena. Passo essa visão da importância de integração na comunidade para meu filho e meus alunos, incentivo-os a serem atuantes”, afirma ela.
Além das atividades de Orientação Educacional e de professora de Filosofia, Maria produz e dirige dois grupos de teatro, o ATIVAR, que é um projeto desenvolvido na escola em que trabalha e o Nois, grupo de teatro amador. “Atuei na comissão de cultura das três primeiras edições da Expocruzeiro, foi uma bela experiência e aprendizado, elaboramos o Resgate Histórico-Cultural do Bairro e duas edições de um concurso fotográfico sobre aspectos do bairro. Atualmente, faço parte da ASES (Associação Santa-rosense de Escritores), do Conselho Municipal de Cultura, da Etnia Afro, da Comissão de Eventos e Autógrafos da 7ª Feira do Livro, e da Associação Carnavalesca “A Turma do Alambique”.
Dionísio: a embriaguez da arte
Maria conta que a arte está presente em sua vida desde a infância e que sua família sempre deu liberdade de expressão e de criatividade. “Algumas professoras que tive incentivavam muito os alunos a participarem de peças teatrais, músicas, literatura e várias linguagens artísticas. Eu penso que essas duas inspirações foram responsáveis pelo meu gosto pela arte e por integrá-la às atividades educacionais e profissionais que desenvolvo”.
Maria afirma que não é preciso apontar os benefícios da presença da arte na vida do ser humano, isto já está provado. “No entanto, é preciso ressaltar que é possível educar para uma compreensão critica da realidade, mas sem perder a sensibilidade, porque a arte, em suas variadas linguagens, nos livra da automatização, nos permite recriar o mundo com um olhar humanizado. Nesta época em que vivemos, de certa forma, uma anestesia dos sentidos, é preciso o contrário; é preciso a estesia, que é o saber sensível, e isto só alcançaremos pela educação dos sentidos. A arte teatral é um caminho”.
Grupo de Teatro Estudantil ATIVAR - 15 anos de Arte e valorização da vida
Entre a primeira peça produzida em 1996 até 2011, são 15 anos. Tempo que registrou inúmeros teatreiros cutucados pela experiência artística e estética e todos com a energia, criatividade e alegria daqueles que iniciaram no grupo, em 1996, o Grupo de Teatro Estudantil ATIVAR, da E.E. de Educação Básica Cruzeiro. “18 de setembro é a data que tenho como marco de início dos trabalhos com o Grupo. Observo e incentivo o potencial dos alunos, sempre busco, de alguma forma, potencializar essas capacidades. Os resultados são gratificantes para ambas as partes, as transformações se dão em várias áreas da vida dos jovens. O fato de poder, através da arte, colaborar, interferir no futuro dos adolescentes, trabalhando o seu presente, me torna uma pessoa melhor. Essa, sem dúvida, é a maior recompensa que um ser humano pode almejar”.
Maria lembra de um ditado popular que “a coruja sempre acha seus filhotes os mais bonitos”. Ela confessa que é um tanto coruja, mas o fato é que sempre lhes surpreendem os resultados do processo no qual a arte teatral é o centro. “Temos registrados belos espetáculos produzidos pelo grupo”.
“Quando ouço o senso comum afirmar que fazer arte é ‘fácil’, ou é para quem tem ‘talento’, discordo, pois não basta ter talento, é necessário trabalho e dedicação, como já disse Maria Clara Machado.Na oficina semanal com o grupo, vivo intensamente o teatro integrado a outras expressões de arte como a música, a dança e usando vários elementos de significação: a palavra, os gestos, as sonoridades, os figurinos, os objetos cênicos, o trabalho em equipe. Cada um dos mais de 500 alunos que participaram do grupo são cúmplices destas vivências e exemplos de vida e de superação, muitos deram sequência e hoje seguem carreira profissional em alguma área da arte. O nome ATIVAR tem um significado escolhido com carinho: A de arte, T de talento, I de integração, V de valores, A de amizade e R de resgate da sensibilidade. Isto está, efetivamente, presente na vida e nas atuações dos adolescentes e na percepção dos pais e espectadores ao assistirem nossas peças”.
Maria tem clareza da potencialidade que os adolescentes têm, basta que sejam dadas as oportunidades para que possam ser, como lembra Paulo Freire, “presençacapaz de intervir no mundo”. O jovem pode fazer algo diferente e contribuir para que o mundo seja melhor. É preciso investir e acreditar nisso, afirma ela.
“Nossa produção extrapolou os muros da Escola. Apresentamos a variados públicos, em cidades da região e do Estado. Isso demonstra que a sociedade está ampliando espaços para Dionísio, a embriaguez da arte. E não é isso que o mundo de hoje precisa? De mais sensibilidade? Na sociedade contemporânea que apresenta inúmeros exemplos de desvalorização davida e da dignidade humana, que supervaloriza o superficial e a violência, temos que mostrar que o ser humano é muito mais rico e oferecer experiências estéticas nas quais os adolescentes sejam desafiados e possam descobrir que além de aprender, têm muito a ensinar e a contribuir com ações voltadas à coletividade, ao bem-comum, ao sensível, à cultura, ao lazer, à solidariedade e participação comunitária. Aexperiência estética possibilita a educação do sensível, ensina a ver o mundo com um olhar estésico, além do racional. Cada encontro com a arte é único, os benefícios de tais experiências podem estender-se para a vida e a formação pessoal, portanto, seria muito bom se pudéssemos usufruir da arte por toda a parte, em todos os cantos da cidade. Utopia? Não! Uma possibilidade”.
Em uma pesquisa que Maria realizou com egressos do ATIVAR, constatou dados importantes: alguns egressos passaram a usar a aprendizagem adquirida e se profissionalizaram na música, no canto, no teatro; houve o crescimento pessoal, social e sensível e a inclusão social, pois quando se apresentaram em espaços fora da escola,trocaram experiências e informações com artistas de outros grupos, passaram a freqüentar locais que se não estivessem no ATIVAR não iriam; formou-se platéia ao estimular a prática e a fruição do teatro e outras artes; todos esses aspectos estenderam-se para a vida de cada um.
Nessa trajetória participaram de vários festivais e conquistaram vários prêmios, além de ampliar conhecimentos e experiências. Em 2007 receberam do MinC o Selo Cultura Viva eMenção Honrosa do Poder Legislativo local; em 2008, o Troféu Destaque Cultural.Participaram como convidados do MinC, nas edições de 2007 e 2008, do Encontro Nacional de Cultura - TEIA, em Belo Horizonte e em Brasília, respectivamente. Conheceram assim um pouco da diversidade cultural brasileira da qual somos parte e tiveram oportunidade de divulgar e relatar o trabalho do GTE ATIVAR- formado por estudantes de origem humilde- aos representantes culturais de todas as regiões do Brasil.
Maria lembra que as conquistas têm um pedacinho de cada integrante; cada espetáculo, um pouquinho da dedicação, do entusiasmo, do suor em busca de recursos financeiros, da superação, do amor à arte, ao teatro e à VIDA que pulsa em cada um.“Isso motiva e me desafia para a continuidade. E é isso que pretendo: continuar a história do ATIVAR em cada máscara, em cada espetáculo, em cada personagem, em cada novo integrante, porque o ser humano faz arte, é arte. O homem faz parte do espetáculo da vida!”
Grupo de Teatro Amador NÓIS
Para dar sequência ao trabalho com aos alunos que querem continuar com o teatro e já concluíram os estudos na escola, em desde o ano de 2000, Maria criou o Grupo de Teatro Amador NÓIS, que também é aberto às pessoas da comunidade. “Os ensaios são realizados na minha casa, pois não dispomos de um espaço na comunidade. Sou muito feliz com o que faço, gosto de participar ao máximo das coisas inovadoras, me dá prazer ensinar”.
Sonhos e projeto para o futuro
Maria afirma que tem acompanhado e visto um grande incentivo à variadas expressões artísticas, mas acredita que ainda falta a atenção ao teatro produzido aqui no município. “Nossa cidade cresceu muito em relação ao incentivo às artes, mas ainda precisa mais, é necessário que as comunidades das vilas e bairros tenham mais acesso para que possam ser fruidores de arte e, além disso, que possam mostrar o quão são, também, produtores”.
“O sentido de melhorar a vida das pessoas é o meu maior sonho e o meu maior objetivo. Penso que este é um sonho permanente e centrado na formação da sensibilidade humana. A cada dia ele se renova, por isso é permanente, nunca vai se esgotar. O veículo que utilizo para realizar este sonho é educação e a arte, mais precisamente, o teatro’.
Outro sonho:o bairro Cruzeiro é um pólo gerador de talentos, creio que outros bairros também o são, falo da realidade que conheço. Que tal um espaço cultural no bairro Cruzeiro? Por que este sonho? Porque é necessário ampliar espaços de vivências artístico-culturais e descentralizar o máximo possível, para que a arte extrapole qualquer fronteira que a impeça de fazer o seu papel. Uma utopia? Mas pode vir a ser real.
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