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20/04/2024 17h39 - Atualizado em 21/04/2024 15h46
Andando sobre arame farpado, e nele se segurando
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Paulo Schultz
Professor
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O governo Lula caminha sobre arame farpado diariamente.
E faz isso tendo que segurar as mãos também em arame farpado, para servir de base de apoio.
Vida dura.
Olha só o cenário....
A mídia empresarial, toda ela de direita ( Globo, Folha de São Paulo, Estadão, etc) bate no governo para acuá-lo politicamente, para que ele não rompa com os parâmetros neoliberais de gestão pública.
Ou seja... investimentos limitados em políticas públicas, e bastante ortodoxia fiscal e orçamentária.
Tudo isso para que haja mais recursos públicos para serem carreados ao mercado financeiro, ao rentismo vadio.
Qualquer movimentação do governo no sentido de aumentar gastos públicos, para aumentar políticas públicas, é motivo de gritaria e pancadaria por parte da grande mídia do país.
Ou seja: a grande mídia quer pautar o governo, quer dizer como Lula deve governar, dentro dos parâmetros neoliberais.
No Congresso, o governo Lula tem que se equilibrar, para ter base numérica suficiente de apoio, tendo que compor com o Centrão, que possui metade da Câmara dos Deputados, e uma parcela significativa do Senado.
É como ter que andar em suspenso no ar, tendo que se agarrar em arame farpado, e não poder soltar, por mais que se sinta dor ou desconforto.
O preço do Centrão é alto: cargos em ministérios, volume grande de recursos através de emendas parlamentares ( praticamente sequestrando uma parte da prerrogativa que seria somente do executivo - a de gerenciar o orçamento), negociações sempre difíceis para projetos e temas que são caros e essenciais para um governo de esquerda (estes sempre têm que ser negociados com esse bloco para que possam ser aprovados).
Dificilmente um projeto do governo sai aprovado do Congresso do mesmo jeito que entrou - o texto sempre tem que ser negociado, e as concessões na direção do centro e da direita liberal sempre tem que ser feitas.
A bem da verdade, um governo de esquerda e um congresso dominado por uma direita e centro liberais é como uma convivência forçada entre vizinhos que se detestam, que não se dão. Existe uma tolerância de convivência, com concessões de ambos os lados, mas, no fundo, é uma convivência forçada, majoritariamente indigesta.
Simplesmente por conta da divergência ideológica, e porque os projetos de país são diferentes.
Com certeza, se houvesse uma base parlamentar maior do campo da esquerda, não haveria necessidade de tanta composição, concessão e negociação com o Centrão, que tem, em sua maioria, pessoas conservadoras e representantes de setores da sociedade com pautas que são indigestas à esquerda.
Ou você acha, por exemplo , que é agradável ter que sentar e negociar com um crápula como Artur Lira ?
Ou você imagina ser fácil negociar uma reforma tributária com essa turma ?
É um jogo de xadrez que funciona na base da desconfiança mútua, que escamoteia uma divergência ideológica latente.
Por fim, a extrema direita - a bolsonarista e a libertarianista (Novo).
No âmbito do Congresso, são pouco mais de 100 na Câmara dos Deputados, e uma bancada numericamente inferior no Senado.
Mas provocam, principalmente na Câmara, um tensionamento diário, calcado numa guerra cultural que tenta desviar a atenção dos grandes temas ( ou deturpá-los) e impor uma pauta sua, de costumes, de viés religioso fundamentalista, de natureza capitalista sem limites, onde a liberdade é sinônimo de barbárie e ausência de civilidade.
Estão lá nas comissões e no plenário, causando tumulto, não tendo votos suficientes para impor derrotas ao governo, mas provocando um debate rasteiro, contínuo, tenso, tendo como método a mentira, sempre.
Mas não é só no campo institucional do Congresso a disputa.
É principalmente no dia a dia da sociedade brasileira.
É via redes sociais, pela narrativa contínua, verticalizada, que atinge, convence e engaja milhões de brasileiros diariamente, que a extrema direita bolsonarista inocula doses diárias de veneno.
Praticamente metade da sociedade brasileira recebe estas doses diárias de veneno, através da comunicação de extrema-direita.
Mentira, deturpação, discurso de ódio e cooptação ideológica, através de uma narrativa forte baseada numa religiosidade seletiva e hipócrita, num patriotismo oco, e na indução a um medo de coisas irreais (comunismo, destruição da família,entre outros).
Não é à toa que, mesmo com índices de emprego melhores, com inflação controlada, com economia crescendo, e com vários outros indicativos explícitos de que a qualidade de vida dos brasileiros está melhor, desde o ano passado, mesmo assim, os índices de aprovação do governo não sobem.
O Governo está sitiado. Ele acontece dentro de um cenário de tensionamento diário.
Caminha sobre arame farpado e se segura em uma base de apoio de arame farpado, e mesmo assim consegue acontecer.
De um lado a grande mídia acuando o governo, criticando duramente quando este toma medidas mais à esquerda.
Por outro, a extrema direita, com uma base de milhões de engajados e convictos, que inocula veneno diariamente, via redes, em quase metade da população brasileira, o que faz com que essas pessoas considerem ( pasmem) menos importante ter uma vida melhor, e mais importante os seus medos, temores e rejeições, criados a partir de um convencimento do irreal.
Consideremos tudo isso...
E tenhamos bem claro que o Governo Lula, não só para o Brasil, mas também para o mundo, é o último bastião de resistência ao neo-fascismo mundial, e uma das últimas possibilidades de construção de uma sociedade justa, humana, igualitária, livre, tanto da barbárie neoliberal, quanto da selvageria desumana da extrema direita.
Olha o tamanho da responsabilidade que tem o governo, e o tamanho da responsabilidade da parcela de sociedade brasileira que precisa dar suporte e ajudar este governo a acontecer.
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