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05/11/2024 00h53
Papo de Novembro
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Paulo Schultz
Professor
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O que passa na cabeça da maioria do eleitorado brasileiro que, nas eleições municipais deste ano, optou pelo pragmatismo e conservadorismo dos partidos do centrão?
Nem o PT e a esquerda foram arrasados ( como alguns equivocados ou maldosos afirmam) , nem a extrema direita bolsonarista cresceu o tanto que queria ...mas foi o centrão conquistou a imensa maioria das prefeituras do país e a maioria dos vereadores eleitos.
É novidade isso? Não.
A cultura política republicana brasileira, já de longe arraigada, é conservadora.
Ideologicamente, e na maneira de captar e dar o voto.
As forças políticas conservadoras estabeleceram um padrão eficiente de pragmatismo - partidos e candidatos conservadores prestam serviços e favores, pequenos ou grandes, via prefeituras e mandatos de vereadores, ou via emendas parlamentares de deputados e senadores parceiros (cada vez mais volumosas).
E os eleitores, por sua vez, retribuem com votos.
Simples assim - modo despolitizado e pragmático - é pura troca de favores, ... e mais um tanto em dinheiro vivo (ou algo que o dinheiro vivo proporcione) prá comprar mais um tanto de voto ( afinal de contas, a compra faz parte do metiê conservador, tá no sangue).
Agora ... óbvio que não é só por pragmatismo ou compra.
É preciso considerar seriamente a longa tradição de conservadorismo de parte substancial do eleitorado brasileiro.
Tem mais coisas que ficaram nítidas neste Brasil de 2024....
Uma delas é o fator incidente que perpassa a sociedade brasileira: o arraigamento do neoliberalismo.
O neoliberalismo que não diz somente respeito a uma forma de gerir economia e as relações de trabalho... mas impõe também uma concepção de vida e de forma de existir em sociedade.
Natural que desde sua implementação no Brasil, no início dos anos 90, até agora, o neoliberalismo tenha vindo capturando parte das gerações que já existiam e as que surgiram na sequência.
E com as transformações econômicas e sociais da década de 90 prá cá, é natural que tenhamos gerações inteiras dentro dessa concepção de sociedade.
A cultura do individual, em detrimento do coletivo.
A cultura do empreendedorismo, do chefe de si mesmo.... tapeando a diminuição estrutural dos empregos
A cultura do trabalhador que deixa de ser trabalhador para ser "colaborador".
A cultura do trabalho precário, sem proteção social.
A cultura da meritocracia.
A cultura da não-participação cidadã ( tudo se restringe a um votar cada vez mais frio).
Por isso é que se percebe que novas gerações cada vez tem mais ojeriza ou falta de adesão às ideias da esquerda.
Para estas soa obsoleto, ou algo totalmente estranho, o discurso da esquerda falando sobre o coletivo, quando o que estas gerações que hoje têm entre 18 e 35 anos sempre viveram e vivem é a primazia absoluta do individual.
Mais um fator importante....
É preciso que tenhamos claro que nunca conseguimos ter, por conta da correlação de forças políticas e da característica da sociedade brasileira, um governo genuinamente de esquerda.
Sempre tivemos que fazer governos de coalizão com setores do centro e da direita, e isso quer dizer que nunca conseguimos mexer estruturalmente a ponto de confrontar na raiz o modelo neoliberal de sociedade.
Sempre trabalhamos, até aqui, na reparação e restauração da cidadania, e na mitigação dos efeitos do neoliberalismo, mas nunca conseguimos acumular forças para superá-lo.
Claro que já tivemos experiências de governo muito bem sucedidas, mas elas nunca foram profundas o suficiente para provocar a superação do modelo.
E, para entornar mais o caldo e dificultar mais as coisas, do ponto de vista de quem quer mudanças estruturais à esquerda, convivemos com a consolidação da extrema direita, o que coloca mais uma pedreira na frente das forças de esquerda do país.
E aqui precisa ficar claro que a extrema direita é o aprofundamento bárbaro do neoliberalismo.
É sua versão aprofundada e sem limites.
Uma extrema direita que não é anti-sistema, como se auto rotula. Ela é o aprofundamento maligno do sistema, com mais desumanidade e mais poder do capital.
Novembro recém tá começando... E tem muito mais papo prá gente fazer ..
O ano foi longo, complexo e ele ainda está acontecendo....
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