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terça-feira,22 de outubro de 2024

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12/10/2024 18h53 - Atualizado em 12/10/2024 18h54

Espinhos e Rosas

Paulo Schultz Paulo Schultz
Professor
2024. A complexidade de um resultado eleitoral exige prudência na análise e no diagnóstico.
 
Não se faz uma análise completa, e mais profunda e certeira poucos dias após a eleição.
 
É preciso semanas para digerir os resultados , assentar as coisas na cabeça, amainar as emoções, e então analisar dados e pesar fatores que levaram aos resultados.
 
Porém, com uma análise incompleta (até porque o segundo das eleições está em andamento), e tendo passado  uma semana do primeiro turno das eleições municipais, algumas coisas já são possíveis de serem afirmadas.
 
Primeiro, que o grande vencedor das eleições municipais foi o centrão - os partidos tradicionais da direita e do centro liberal.
 
Pesaram fortemente para isso o volume alto de dinheiro público ( injetado diretamente nos municípios através das emendas parlamentares do Congresso), assim como  a tradição da maioria do eleitorado brasileiro de ser conservador em seu voto,  dando ele majoritariamente para os partidos que fazem o jogo eleitoral que perpetua a cultura eleitoral fisiológica e monetizada que captura a maioria do eleitorado nos municípios do país.
 
Esta soma, portanto, de alto volume de dinheiro público federal injetado diretamente nos municípios,  com a forma tradicional de fazer política do centrão e com a concepção culturalmente errada de parte significativa da população (de ver o período eleitoral como um momento natural de troca de favores e de compra e venda de voto),  são dois fatores importantes na compreensão deste resultado. 
 
Há uma parcela crescente do eleitorado brasileiro que espera o período eleitoral para ser comprada, diretamente com dinheiro vivo,  ou com aquilo que o dinheiro vivo possa lhe proporcionar, seja um vale para retirar  cesta básica em algum supermercado, o pagamento de um carnê, de uma conta de água ou luz,  o pagamento de uma pendência no mercado da vila,  e assim por diante.
 
Esse perfil de eleitor é pragmático e despolitizado, e vê como natural a putaria eleitoral - o candidato leva o voto, e o eleitor leva dinheiro vivo, ou algo que o dinheiro vivo possa lhe proporcionar.
 
E funciona para ambos os lados ( candidato eleito e eleitor),  porque dinheiro vivo não deixa rastro - ainda mais quando o dinheiro vivo é vindo de caixa 2.
 
Disso resulta que o poder econômico faz a festa... colhendo resultados eleitorais cada vez maiores nos municípios.
 
Tem ainda um outro fator importantíssimo, que é sinal dos nossos tempos:  o avanço de um pensamento conservador na sociedade.
 
Um avanço que se deu fortemente com a demonização recente do PT e da esquerda de um modo amplo, e com a ascensão política da extrema direita no país.
 
Se até alguns anos atrás o voto conservador existia, mas era motivo de vergonha se assumir como conservador e de direita, hoje há um contingente enorme de pessoas no país que tem orgulho de se dizer conservador e de direita (pró família e costumes, contra políticas sociais, etc).
 
Pode até ser um orgulho imbecil,  mas ele existe e se expressa abertamente, e vai ampliando seu espaço no eleitorado.
 
Em relação à extrema direita... sim,  ela cresceu como já era esperado.
 
 Vamos lembrar que há dois anos atrás Bolsonaro recebeu mais de  58 milhões de votos.. então era natural que esse eleitorado, em parte,  repetisse esse voto nos seus candidatos de extrema direita nos municípios. 
 
Agora, tanto o PL, quanto a extrema direita de uma maneira geral, não saiu desta eleição com o tamanho que projetava sair.
E mais... Bolsonaro saiu menor dessas eleições.
 
Teve várias derrotas,e viu seu domínio na extrema direita ser rachado pela ascensão do coach picareta Marçal em São Paulo.
 
O campo da esquerda....
 
Nítido que o PT não cresceu o tanto que esperava, assim como a esquerda de uma maneira geral.
 
Mas não é a terra arrasada que alguns analistas afobadamente cravaram (ou outros analistas maldosamente e com alegria sentenciaram).
 
Até porque, a eleição ainda não acabou, e das 52 cidades que têm segundo turno no país, em 17 delas há a presença da esquerda na disputa ( 13 do PT, 2 do PSOL e 2 do PSB).
 
O PT fez 248 prefeituras no 1o turno, e elegeu 3.118 vereadores(as) no país.
 
Um acréscimo pequeno no número de prefeituras, mas um acréscimo mais substancial em termos de vereadores eleitos (550 a mais do que em 2020).
 
E se há, em parte, um problema de envelhecimento na militância da esquerda, existe também dentro dela movimentos consistentes e positivos de renovação e de afirmação de espaços.
 
O MST, por exemplo, se organizou nacionalmente,  e elegeu 23 candidatos (entre prefeitos e vice-prefeitos),  e 110 vereadores no país.
 
O PT elegeu 33 prefeitos / prefeitas da sua juventude,  e 561 vereadores(as), também da juventude, no todo do país.
 
E muitos destes com votações expressivas,  como a jovem vereadora eleita com quase 101 mil votos na cidade de São Paulo, por exemplo.
 
Por certo que há uma necessidade no PT e na esquerda como um todo,  de recalibrar o discurso, compreendendo novas características sociais,  percebendo que há uma nova classe trabalhadora (mais ligada aos serviços e atuando sem vínculo sindical), e encorpando a sustentabilidade como uma das pautas principais, entre outras mudanças a serem analisadas e incorporadas no discurso e na ação política.
 
Agora, acima de tudo,  precisamos entender esse resultado inserido no contexto do fenômeno mundial da ascensão da extrema-direita.
 
Num cenário em que temos uma direita neoliberal tradicional que ganha fôlego,  muito porque somada à onda conservadora da extrema direita, o que coloca a esquerda numa condição desfavorável, em que é preciso recalibrar discurso, manter a resistência e a ação da militância, e fazer disputas e vencer dentro desse quadro político terrível.
 
Vejamos por exemplo o que é o governo Lula,  no sentido de ter que governar caminhando sobre arame farpado diariamente, sendo duramente combatido pela extrema direita e acuado pelo capitalismo financeiro,  e tendo que fazer uma aliança precária com o centrão para manter a governabilidade.
 
Este é o recorte inconcluso da história de 2024. 
 
Sigamos.
 
Com ímpeto e  com coragem.
 
A cana é doce....mas é dura.
 

 

Este artigo é de responsabilidade exclusiva do seu autor, não representando necessariamente a opinião do portal.

 

Comentários

izblmm

2wdebh - 19/10/2024 18h15

 

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