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27/05/2023 17h37

UM CÂNCER CHAMADO CENTRÃO

Paulo Schultz Paulo Schultz
Professor
A bancada de esquerda e centro-esquerda na Câmara dos Deputados é composta de 125 deputados, aproximadamente.
 
A coligação que elegeu o presidente Lula elegeu 140 deputados ( estes 125 acima citados estão dentro deste total).
 
A extrema direita, seja ele bolsonarista ou de outra vertente, é composta aproximadamente de 110 deputados.
 
O restante da composição da Câmara dos Deputados....por desgraça... é o Centrão.
 
Algo em torno  de 260 deputados, distribuídos em pouco mais de uma dezena de partidos que elegeram representantes para a Câmara Federal.
 
A extrema-direita bolsonarista,embora seja raivosa e barulhenta, não tem poder numérico, nem qualidade política e intelectual para impor barreiras impeditivas  ou sabotar o governo Lula.
 
Este é o fato para o qual todos devem atentar.
 
Os resultados políticos efetivos de todo o barulho produzido pela extrema direita são muito pequenos - não vai ser nenhuma CPI e nenhuma outra tentativa de lacração em audiência com algum ministro que vai embarreirar o governo Lula.
Ao final das contas, toda a burrice, a imbecilidade e o despreparo político e intelectual da extrema-direita produz pouca coisa concreta.
 
É como tosquia de porco : muita gritaria e pouca lã .
 
A real ameaça, o real sabotador do governo Lula, é o Centrão.
 
Puxando o fio da história,  vamos ver que o Centrão se constituiu com essa característica e denominação durante a constituinte de 1986 ( que produziu a Constituição de 88).
Lá naquela época, este bloco se constituiu para impedir que constassem na Constituição pontos que representassem avanços sociais e mudanças estruturais profundas na sociedade brasileira -  estava o Centrão a serviço do agronegócio, do grande empresariado, e da elite do país, enfim.
 
É um equívoco enorme, portanto, pensar o Centrão como somente um amontoado numeroso de mercenários, sem nenhuma posição ideológica.
 
Sim, a grande maioria dos parlamentares que compõem o Centrão são, de fato, mercenários em troca de cargos, emendas e outras benesses individuais.
 
Mas, ao fundo, para além do mercenarismo e do oportunismo, existe um fundamento ideológico - o Centrão é composto por figuras da direita liberal /neoliberal e do centro liberal.
 
E aí é preciso somar uma coisa com outra: mercenarismo e oportunismo com a forte característica ideológica desse bloco.
 
O Centrão foi base de todos os governos que vieram após a redemocratização do país, a partir de 1985.
 
Sempre funcionando na base de cargos, liberação de recursos, emendas e, ao mesmo tempo, impondo pautas ou restringindo pautas contrárias ao seu interesse ideológico.
 
Quer dizer: por ser o Centrão um bloco numeroso e majoritário dentro do congresso, todos os governos  do PT, inclusive o atual governo Lula, para ter base e governabilidade, tiveram (e tem) que fazer composição / coalizão com o Centrão,  cedendo espaços (cargos) no governo,  efetuando a liberação de recursos, emendas em troca de votações importantes, e  o principal:  não conseguindo avançar mudanças sociais,  econômicas e estruturais mais profundas da sociedade brasileira,  porque estas são sabotadas e embarreiradas pelo mesmo Centrão,  que sempre "está  governo",  mas funciona como  uma faca no pescoço dos governos petistas.
É sempre um "estar no governo",  nunca um ser governo.
 
É um apoio condicionado,chantagista,  com  tom explícito de ameaça (tudo tem que ser negociado, mercenária e ideologicamente).
 
Para entender o quadro de 2023, é necessário lembrar do passado recente que levou até o atual empoderamento do Centrão.
 
Quando em 2015, Eduardo Cunha, o gângster, articulou junto com o seu Centrão, o orçamento impositivo - ali começou um garroteamento do executivo por parte do legislativo - uma deturpação da função do poder legislativo, avançando para dentro de uma esfera que só cabe legalmente ao executivo.
 
Lembremos que o mesmo Centrão foi participante decisivo, e em  massa, do golpe travestido de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff.
 
Era governo, traiu e derrubou  o governo, dentro daquela trama abjeta de Michel Temer, Eduardo Cunha, e outros artífices do golpe -  o tal acordo "com Supremo e com tudo".
 
O ápice do empoderamento do Centrão se deu durante o governo Bolsonaro.
 
Para não cair, para não sofrer  impeachment, Bolsonaro entregou parte substancial do seu governo - vários ministérios e todo orçamento possível, para o Centrão - sob o comando de Arthur Lira.
 
Deu ao Centrão ministérios fortes,  com orçamentos bilionários, para que eles pudessem se deliciar com cargos, recursos e esquemas à vontade.
 
Quer dizer, Bolsonaro conscientemente abriu mão de parte de sua função de ser governo e deu ao Centrão a prerrogativa de o legislativo comandar uma fatia enorme do executivo.
 
Alimentou e empoderou o monstro Centrão.
 
Que além de avançar para dentro do executivo, estabeleceu, em acordo com o governo Bolsonaro, o indecente orçamento secreto.
Volumes enormes de recursos públicos usados de maneira obscura diretamente para beneficiar parlamentares do Centrão e da base aliada do governo.
 
Pois bem,  se fartaram de dinheiro e poder.
 
Sangue e carne para os tubarões se extasiarem.
 
Na eleição do ano passado a imensa maioria do Centrão apoiou e fez campanha para Bolsonaro.
 
Natural, em função do poder recebido e da convergência ideológica entre a política econômica do governo Bolsonaro e os interesses do Centrão e do segmento social que ele representa.
 
Ocorre que o Centrão fica noivo,mas não casa.
 
A maioria dos partidos do Centrão não fez aliança formal, nem com Bolsonaro, nem em torno de Lula.
 
Os diretórios e parlamentares foram liberados para fazer campanha para quem quisessem, de acordo com a sua conveniência.
 
Uma disposição que levou o Centrão a constituir um pouco mais da metade do total de vagas da Câmara dos Deputados, e que deixou o campo aberto para que eles pudessem aderir ao vencedor, no caso Lula e seu governo.
 
Aderir dentro de seus termos - sabendo que é um bloco majoritário na Câmara dos deputados, e que o governo precisa deste bloco para ter governabilidade.  Portanto é uma adesão chantagista e condicionada.
 
Condicionada a cargos, liberação de recursos e emendas, e chantagista porque embarreira e sabota o governo nas suas pautas à esquerda.
 
O Centrão representa o agronegócio, representa o mercado financeiro, representa o rentismo, representa os interesses do grande capital, e  da elite do país.
Esse é o seu fundamento ideológico.
 
É por isso que ele garroteia o governo, agindo para impedir  o governo de  avançar de maneira profunda no aspecto social e econômico.
 
 O papel dado ao Centrão é ser uma base condicionada ao governo, que estabeleça ao governo permissão para ir  só até  certo ponto. 
 
O ponto que não afeta substancialmente os interesses do agronegócio, do rentismo, do grande capital, da elite.
 
O governo sabendo que precisa do Centrão para ter governabilidade,  e o Centrão sabendo disso,   tendo o histórico recente de um empoderamento deturpado e corrupto, (promovido durante o governo Bolsonaro ), e tendo  a característica ideológica de defesa de um projeto neoliberal - isso tudo forma um quadro terrível para o governo Lula acontecer como se espera, se deseja.
 
A vitória de Lula, num contexto duríssimo e adverso, foi a vitória do PT e esquerdas , mas que teve que fazer uma composição ampla com o centro e  a direita liberal,  e que, depois de vitoriosa na eleição,  teve que se constituir em um governo de coalizão com o Centrão, num contexto ajustadíssimo, e com pouca margem, até aqui,  de acúmulo de poder político capaz de  impor pautas à esquerda,  de aprofundamento  de mudanças estruturais no país.
 
Nos últimos dias,  o Centrão mostrou  seu poderio, e  sua natureza, quando literalmente agiu na Câmara para aleijar administrativa e politicamente os  Ministérios do Desenvolvimento Agrário,   dos Povos Indígenas e  do Meio Ambiente, em favor do agronegócio.
Três ministérios nas mãos da esquerda, com pautas e políticas públicas de esquerda, e que tem frontal contrariedade aos interesses de setores poderosos do agronegócio .
 
Atentemos também para o projeto do arcabouço fiscal, que já saiu moderado, de forma negociada do Ministério da Fazenda,  e que sofreu mais restrições ainda em seu texto aprovado pela Câmara, restrições impostas pelo Centrão, em favor do mercado financeiro.
 
O Centrão,  ao mesmo tempo que está no governo, age para sabotar o governo,  para impedir que o governo avance para além dos limites toleráveis pelo mercado financeiro, pelo agronegócio, pela forças liberais.
 
Conserto para isso tudo,  a longo prazo, seria a educação política da grande maioria da população brasileira,  que não a tem hoje.
 
Outra forma seria estabelecer regramento diferente para eleições, estabelecendo o voto casado - o voto do presidente implicar em um voto para a mesma aliança desse Presidente para a Câmara Federal e o Senado.
 
Com esse regramento, o Centrão irá minguar,  e as coisas terão um outro contorno,  outro contexto.
 
O Centrão é um câncer. 
O câncer da política brasileira.
E câncer a gente extirpa,  com quimioterapia ou outra forma.
 
Mas...
Nós temos que resolver o agora.
 
É preciso que o governo Lula aconteça,  que as pautas que se esperam desse governo aconteçam, se transformem em projetos, em políticas públicas,  se convertam em recursos públicos volumosos capazes de dar conta de sua execução.
 
A questão é como fazer isso tudo, tendo a aliança de Lula elegido apenas 140 deputados no meio de 513,  e dependendo de um Centrão que tem aproximadamente 260 cadeiras,  e que não é confiável, e nem aliado ideologicamente.
 
De imediato, não vejo outra saída que não seja negociar com essa turma.
 
 É preciso ceder, mas é também preciso se impor.
 Porque,  - não da maneira que se espera.
 
Entendo duas coisas como necessárias.
 
Primeiro, o governo precisa ganhar musculatura  em termos de popularidade -  à medida que a economia do país vá melhorando, e que as políticas sociais comecem a dar efeito benéfico na vida das pessoas, essa popularidade deve ser usada como instrumento de pressão e força política do governo. 
 
Segundo,  é preciso que o PT ,  os demais partidos de esquerda, e também os movimentos sociais ajudem, organicamente, de forma efetiva, no sentido de ser uma base de fato do governo - é preciso fazer  movimentações políticas que soquem essa turma no Centrão contra o canto.
 
Sim eles são necessários nesse contexto,  e tem um poder numérico forte, sobretudo na Câmara dos Deputados.
Mas um governo com aprovação popular, e com uma base orgânica combatente pode-se acuar essa gente, um a um, lá nas suas bases, e no Congresso, concomitantemente.
 
Apesar de tudo isso, nesses cinco primeiros meses do ano,  o governo Lula fez muito,  fez acontecer muito... mas ele pode muito mais.
 
A cana é doce,  mas é dura.
 
Primordial ter dentes duros e fortes, pra chegar no caldo.
 
Fiquem de olho na extrema direita, mas tenham claro que  não é ela nosso principal problema.
 
 Nosso principal problema é o Centrão.
 
E ninguém pense que Lula, mesmo  com toda sua habilidade política, vai dar conta sozinho desse enfrentamento.
Tampouco o núcleo central esquerdista do governo.
 
O  trabalho deve ser conjunto - governo e base social -  certeiro e efetivo.
 
A gente precisa tomar parte dessa disputa, naquilo que nos cabe, para que o governo consiga acontecer.
 
Como queremos e como o Brasil precisa.
 
Sim, o Brasil voltou...mas para ser para todos...e ter vida longa...é preciso controlar o câncer.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

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