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05/03/2023 16h11 - Atualizado em 05/03/2023 16h45

SOBRE O FIO DA NAVALHA

Paulo Schultz Paulo Schultz
Professor

 

Lula sabe que ganhou uma eleição dificílima, que só ele poderia ganhar, e que, para conseguir isso, teria que fazer uma composição com parte da direita liberal do país.
 
Tarefa heróica vencer alguém que tinha o poder imenso da máquina pública federal nas mãos, usando ele de maneira explícita, e contando, na sociedade, com um exército, uma horda, de milhões de seguidores engajados, imbecilizados, violentos, armados e tomados por uma sedução de natureza fascista.
 
Parte da direita neoliberal do país teve que, a contra-gosto, abraçar a candidatura de Lula ( em parte pela presença de Alckmin na chapa ) para se livrar de Bolsonaro.
 
Esse é o contexto em que se deu o resultado da eleição do ano passado.
 
Até aqui, nada que já não seja sabido por quem acompanha minimamente a vida política do país.
 
A questão principal é que Lula, o PT, o conjunto das esquerdas, mesmo tendo que fazer uma composição com parte da direita liberal para vencer a eleição e governar, tem um projeto de governo, que deriva de um projeto de país.
 
E nesse projeto de país o que norteia é mais igualdade social, mais cidadania, oportunidades para aqueles que sempre foram relegados, mais soberania nacional, e que a riqueza produzida no país seja distribuída de forma mais justa entre a população, rompendo a exploração e a acumulação selvagem de poucos em cima das costas da imensa maioria.
 
Bom, para que essa pauta aconteça, para que o governo consiga fazer acontecer seu projeto, é preciso mexer em estruturas, e isso causa atrito e contrariedades.
 
Para que se avance além dos movimentos substanciais iniciais do governo, que já produziram a volta do Bolsa Família, melhorado e ampliado, e a volta do Minha casa, minha vida, é preciso muito mais recursos, muito mais orçamento.
 
E aí o conflito é inevitável e necessário.
 
Uma briga direta com o "mercado" - essa palavrinha bonita que esconde um punhado de rentistas que vivem do capitalismo financeiro, produzindo fortunas pessoais basicamente na vadiagem da especulação do dinheiro a juros altos, ou a partir de dividendos e lucros enormes, obtidos por pura rapinagem (como acontece na Petrobras),  ou pela super exploração selvagem dos trabalhadores, possibilitada pela reforma trabalhista feita no governo golpista de Michel Temer.
 
Sendo direto... 
 
Para que o governo consiga pautar e induzir que o país cresça, e se desenvolva social e economicamente, é preciso que recursos públicos volumosos, que hoje estão voltados para o capitalismo financeiro, sejam utilizados para um ambiente de produção e ebulição econômica, e um ambiente de políticas públicas abrangentes,  com muito mais orçamento.
 
É preciso baixar a taxa de juros do país, mesmo que contra a vontade e interesse do bolsonarista que ocupa a presidência do Banco Central e dos rentistas que engordam fortunas com essa taxa de juros.
 
É preciso terminar com a política de preços vigente na Petrobras - o  PPI ( preço de paridade de importação), e fazer o preço dos combustíveis ser estabelecido levando em conta parâmetros nacionais de custos, e principalmente a função essencial - econômica e social , que a Petrobras deve ter como compromisso com o próprio país.
 
Claro que isso contraria os interesses de acionistas minoritários da empresa - os chamados "investidores", que, na verdade, são apenas abutres rentistas.
 
Esta é a disputa, em resumo.
 
A elite econômica do país, fortemente financeirizada, quer engessar, coagir e impedir o governo Lula de mudar a política econômica vigente no país.
 
O atrito e a contrariedade do mercado se fazem mostrar aos berros através dos veículos da grande mídia - Globo, Estadão, Folha de São Paulo, entre outros.
 
O mercado financeiro tem posto dinheiro pesado nesta mídia, e tem nela o seu maior instrumento diário e contínuo de pressão, chantagem, ameaça, e intenção de engessar e pautar o governo Lula.
 
Os movimentos vão desde tentativas de provocar atrito entre Haddad e Lula, ou entre Haddad e os dirigentes do PT, até ir com ameaças diretas, como o que aconteceu na Globo essa semana, em relação à política vigente de preços de combustíveis da Petrobras, que o próprio Lula já disse que vai mudar.
 
Junto com essa queda de braço contra o mundo financeiro, contra a porção política e econômica neoliberal, posicionado em outro lado, está a horda bolsonarista, que bem viva, possui uma bancada enorme na Câmara e no Senado, e tem pelo país afora milhões de militantes organicamente engajados, seduzidos e convictos pelas ideias da extrema direita - todos com sangue nos olhos para desestabilizar e tentar derrubar o governo Lula.
 
Esse é o fio da navalha sobre o qual Lula e seu governo caminham.
 
Uma queda de braço para impor um projeto de país contrariando os interesses do mundo financeiro, da direita neoliberal e uma disputa ideológica e de narrativas, diária contra a extrema direita.
 
Tendo ainda outro elemento no cenário - a coligação que elegeu o governo fez mais ou menos 140 deputados na Câmara dos Deputados, e não foi muito diferente, proporcionalmente, o resultado no Senado, o que fez com que Lula tivesse que fazer uma composição com alguns partidos do centrão para poder governar, cedendo espaços no governo para gente de pouca confiança política, e que diverge ideologicamente do núcleo do governo, que é de esquerda.
 
Chupa que a cana é doce, meu filho !
 
O fato é que a fase de encanto e esperança das pessoas com o governo não dura muito.
 
O povo tem pressa que o preço dos alimentos volte a ter um custo acessível, que o preço dos combustíveis seja reduzido, que a economia se ative para que possam ser gerados empregos, que políticas públicas aconteçam para resgatar a condição de carência, ausência ou insuficiência a que a grande maioria da população brasileira foi submetida nos últimos seis anos.
 
O povo tem pressa e o governo também.
 
Sobretudo, Lula e o núcleo de esquerda do governo.
 
A demora no atendimento a essas pautas essenciais enfraquece politicamente o governo, fortalece a extrema direita bolsonarista, e não permite que o governo acumule força política suficiente para peitar o mercado financeiro e o bloco político neoliberal do país, e fazer impor sua agenda, seu projeto.
 
O governo Lula tem que fazer sua parte, que é duríssima.
 
Mas, é preciso que o conjunto das forças políticas e sociais de esquerda, ou progressistas  - os partidos, os movimentos sindicais, os movimentos populares - todos - atuem em consonância de ação para ajudar fortemente o governo a ter força política necessária para poder dar conta daquilo que a população espera, e daquilo que todas estas mesmas forças  esperam, como um projeto de pais.
 
É um quadro duro, tenso, que exige saber o que se quer, saber como fazer, e ter acúmulo de força para conseguir fazer acontecer.
 
Governar caminhando sobre o fio da navalha é tarefa para gente forte.
 
 

 

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