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04/08/2021 21h06 - Atualizado em 04/08/2021 21h32
Olhos para os invisíveis
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Paulo Schultz
Professor
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Um homem com expressão cansada e sofrida sobe uma rua pedalando uma bicicleta com vagar e esforço, cuidando o trânsito rápido dos carros.
Parece carregar, além do seu corpo e do cansaço, o peso de uma história de vida que, pela sua expressão, lhe foi sempre dura.
Outro homem, de meia-idade, com uma perna amputada, fica sentado junto à entrada/saída de um restaurante, pedindo verbalmente e com o olhar, por algum tipo de ajuda (que seja mesmo um troco remanescente).
Crianças indígenas paradas na porta do supermercado, com alguns artefatos de seu povo nas mãos, timidamente tentando atrair algum olhar entre os tantos que passam, para ver se conseguem, com o olhar ou numa comunicação de segundos, oferecer e vender algo do que carregam.
O olhar é um misto de retração, medo de ser enxovalhado e desesperança.
Uma operadora de caixa de supermercado, jovem, recepciona a próxima da fila com um boa tarde - e é silenciosamente ignorada pela mulher, que não responde ao cumprimento e sequer dirige o olhar para a pessoa que lhe atende passando as compras.
Se posta como uma figura "superior", diante da "irrelevante" trabalhadora do caixa.
Existem milhares de outros exemplos diários, corriqueiros, que geralmente passam batidos e invisíveis no meio de um contexto social que não carrega só rapidez e consumo - carrega principalmente uma concepção de vida onde está impregnado o merecimento ou o desmerecimento, a visibilidade ou a invisibilidade, o humano ou a indiferença.
O povo brasileiro, em sua grande e esmagadora maioria, vive na pobreza.
E uma diminuta minoria, ou ignora, ou vive da riqueza produzida e não usufruída por quem vive na pobreza.
Somos uma população de algo em torno de 210 milhões de pessoas.
A grande maioria é secularmente judiada e submetida à carência, ausência e escassez.
Que não é só financeira - é também afetiva e não-cidadã.
Junto com todo o estrago produzido, a partir da ascensão ao poder, de uma figura como Bolsonaro, veio também uma possibilidade - a de mostrar de forma explícita, tanto na vida real quanto nas redes sociais, que uma parcela considerável dos brasileiros é composta de gente que não é cordial, não é receptiva, não é alegre, não se sensibiliza, nem enxerga humanamente ninguém, a não ser aqueles que são os seus.
Nesse aspecto, temos que agradecer ao "mito".
Graças ao movimento sintomático e ideológico, criado no entorno dele, explicitamos que a desigualdade brasileira não é só do ponto de vista de condições financeiras, ela é de cunho mais profundo - um cunho de classe e concepção social.
Uma divisão entre os que tem muito, e aqueles que tem muito pouco ou quase nada.
Entre os que se percebem como merecedores de tudo e os que foram alijados, excluídos total ou parcialmente, e invisibilizados.
O tempo presente das sombras deve terminar, no máximo até o final de 2022.
Depois disso, há uma reconstrução e um resgate a serem feitos.
Um resgate que começou, durou 13 anos, e foi forçadamente interrompido.
Há um povo enorme, sofrido e desesperançado, mas que por debaixo de toda esta mazela, carrega uma vontade enorme de ser, de existir, como visíveis e considerados, como quem merece a oportunidade de usufruir da riqueza que o país produz.
Gente que sonha e que precisa ser vista com olhos e intenções que lhes tragam possibilidades e esperança.
É preciso.
O tempo do bizarro e do destrutivo vai ter fim.
Mas não podemos abrir um outro que seja apenas mais polido, mais palatável, mas que continue com a mesma estrutura que esmaga e torna invisíveis muitos.
Entre o ruim grotesco e o ruim polido, chute-se ambos.
Há outra construção possível.
É preciso olhar os invisíveis.
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a opinião do portal.
Comentários
Muito interessante e reflexivo este texto.
Noemi de Araújo Bauer - 05/08/2021 10h58
Muitos ruins polidos por aí. Esperemos realmente que 2022 seja o último ano dessa cegueira toda. Abraços.
CARLOS MAGNO DA ROCHA - 04/08/2021 23h50