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08/04/2021 19h34 - Atualizado em 08/04/2021 19h49

Quando a fome impede de sonhar

Paulo Schultz Paulo Schultz
Professor
Dados estatísticos tornados públicos essa semana apontam que a insegurança alimentar  atinge cerca de 116 milhões de brasileiros - mais da metade da população do país, portanto.
 
Mais cruel - a insegurança alimentar grave atinge cerca de 19 milhões de brasileiros.
 
Ou seja...
 
Mais da metade dos brasileiros dorme sem saber se vai ter o que comer no dia seguinte, seja em quantidade suficiente, seja em qualquer mínima quantidade.
 
O Brasil já tinha deixado o mapa mundial da fome nos anos dos governos Lula e Dilma.
 
Voltou de forma rápida para esse mapa, ainda durante os dois anos e pouco do governo ilegítimo de Temer.
 
E de 2019 para cá mergulha fundo neste quadro de fome crescente, desde que se iniciou essa bizarrice nefasta chamada governo Bolsonaro.
 
A fome, por si só, é algo cruel e desumano,  que atinge em cheio a dignidade do existir de quem com ela sofre.
 
É um mecanismo perverso de subjugação, humilhação, e até de eliminação, daqueles que o capitalismo julga como inserviveis ou não-merecedores.
 
Apenas por esse aspecto,a fome é, portanto, humana e solidariamente inaceitável.
 
Mas tem mais....
 
A fome, e a preocupação ininterrupta de quem a tem, com a sua continuidade dia após dia, castram um outro elemento essencial da existência humana.
 
A fome impede, toda pessoa que a tenha, de sonhar.
 
E aqui o sonhar não é aquele sonhar do estado de sono de qualquer ser humano.
 
O sonhar castrado e asfixiado pela fome é aquele sonhar inerente à todo ser humano, de querer algo mais do que a sua própria subsistência.
 
É tolhido o direito, de quem passa fome, de sonhar e de querer, de pensar de forma não-aflita, e de projetar algo, por mais simples que seja, fora o aspecto de subsistir.
 
A pandemia agravou esse quadro.
 
Mas  é preciso que se diga que ele é resultado direto da opção consciente e fria, tanto do período ilegítimo de Temer, quanto do período sombrio e pestilento de Bolsonaro.
 
E se é tirado de milhões o direito inerente de sonhar, lhes é tirado também uma parte importante daquilo que lhes dá desejo de vida.
 
Um contingente de milhões de brasileiros não tem mais alegria, não tem mais espontaneidade viva, não tem mais brilho nos olhos.
 
Lhes sufocaram algo que fora conquistado recentemente - sua capacidade de se auto-afirmar como pessoas dignas de cidadania, tanto quanto qualquer outra pessoa que seja ou esteja em uma condição social muito mais favorável.
 
A fome, portanto, mina a subsistência e comprime o sonho que move todo ser humano.
 
Atacar essa perversidade é uma tarefa obrigatória de quem vê a vida por outro viés.
 
Não é uma questão de dó ou pena.
 
É uma questão de enfrentamento duro e visceral, e de impor derrota, contra todos os fatores e os setores sociais que promovem essa crueldade.
 
A fome impede de sonhar.
 
Mas a gente tem que pegar no talo tudo que a promove.
 
E arrancar com firmeza.
 
Ao trabalho.

 

Este artigo é de responsabilidade exclusiva do seu autor, não representando necessariamente a opinião do portal.

 

Comentários

Perfeita.a tua análise! Conseguisse, com muita sensibilidade, traduzir o sentimento de quem não sabe o dia de amanhã! "de sonhar e de querer, de pensar de forma não-afllita"! Essa aflição mata toda a dignidade das passoas, humilha e atinge em cheio a alegria e a capacidade de se enxergar como cidadão! É o pior dos ataques!

Mara Rosana Rosa - 11/04/2021 14h50

Quando eu me formei jornalista, o orador da turma, mencionou em seu discurso um texto de Eduardo Galeano (do Livro dos Abraços), que versa sobre o Direito de Sonhar, o qual logo no início fala que não consta entre os trinta direitos humanos, proclamados pelas Nações Unidas... Teu texto, Paulo, me fez refletir sobre isso, justamente quando esse direito é negado, pelo fato de não se ter o essencial para subsistência humana - o alimento, a comida na mesa. Como sonhar se não se tem o que comer? Perde-se a dignidade humana, perde - se o mínimo que um cidadão deve ter, o direito de sonhar com uma vida melhor... Temos mesmo muito trabalho pela frente para reconquistar esse direito. Avante! Muito bom texto, reflexivo e realista.

Rose Bitencourt - 08/04/2021 22h08

 

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