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17/03/2021 19h38 - Atualizado em 17/03/2021 19h48
De volta aos porões do inferno
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Paulo Schultz
Professor
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Quando, em 2016, a direita neoliberal brasileira precisava arregimentar todas as forças possíveis para desestabilizar o então governo de Dilma Rousseff, do PT, e pressionar pelo impeachment, foram até os porões do inferno, e abriram as últimas celas, que estavam trancadas com ferrolhos imensos.
Nesse ato, que tinha um objetivo imediato, mas não pensava no futuro próximo, a elite brasileira libertou monstros, os quais descobriria logo em seguida que não teria mais como os controlar, muito menos imediatamente colocá- los de volta de onde haviam sido soltos.
Tais monstros, tamanha a sua horrenda natureza, se puseram a nu, com ódio e voracidade, com violência e palavras de ordem curtas e fáceis, e assim cativaram outros milhões de adeptos - esses estavam soltos, vivendo suas vidas normais, mas tinham dentro de si seus monstros aprisionados- eram como solitárias interiores, onde cada um aprisionava seu lado sombrio.
Se viram maravilhados, pois ao vislumbrar monstros libertos e vorazes, sentiram que era possível abrir suas solitárias interiores, e também eles libertarem seus monstros, para se juntar aos outros, já soltos pelas ruas e se disseminando pelas redes sociais.
Então foram se avolumando, se auto encorajando, conectando suas monstruosidades, seus ódios, sua pouca ou nenhuma capacidade de humanidade.
Mas faltava um totem.
Um símbolo, um ídolo, um espelho, a quem pudessem adorar, mitificar e seguir.
Não demorou e acharam..... Um ex- capitão do exército, com 28 anos ociosos e improdutivos como deputado federal, mas com uma vertente inesgotável de ideias tortas, bizarras e violentas, com as quais deixaria em êxtase a multidão de monstros recém libertos.
Pronto: formou-se a porção da extrema-direita, do extremo delírio - uma junção perigosa de extremos transtornos - que anda no limite da intolerância, da imbecilidade, da violência e da morte.
Constituíram algo em torno de 15 a 20% da sociedade brasileira - disseminadores raiz de uma ideia que veio a acontecer, infelizmente na eleição de 2018.
E aconteceu porque juntaram-se a eles, que eram minoritários, a direita clássica e os neoliberais, que foram engolidos naquela eleição pelos monstros que libertaram em 2016.
Foi o típico caso do libertador engolido pela criatura a quem libertou.
Some-se a isso... uma violenta onda fundamentalista religiosa... impregnada de ignorância, manipulação, charlatanismo e picaretagem.
E mais.... Teóricos bizarros e lunáticos.... a definir que a Terra é plana... e que vacinas contém elementos capazes de alterar substancialmente qualquer pessoa.
No final - o verdadeiro quadro do inferno instalado e circunstancialmente vitorioso.
Começa 2019, passa 2020, entra 2021.
As adesões circunstanciais caem e se desgrudam aos poucos.
Mas o núcleo raiz de monstros continua coeso, inabalável, mais transtornado, mais violento, e sentindo-se mais empoderado.
A ponto de estar num processo crescente de ofensiva contra tudo e todos que se oponham à sua concepção monstruosa e delirante de vida e de sociedade.
Isso se manifesta diariamente, seja na vida real, seja nas redes sociais.
São carreatas e atos em frente à quartéis, carregados de ódio e um delírio quase inacreditável ( não raro se vê muitos deles armados nesses movimentos.)
São atos de aglomeração, com palavras de ordem, faixas e cartazes, expondo o bizarro, o insano e o humanamente inaceitável.
Há uma urgência de democracia, de civilidade e de humanidade, que deve permear várias ações.
Ações que recoloquem o país num patamar de superação dessa onda destrutiva e surreal.
É preciso que se tenha ações de curto e médio prazo - que incluam desde vacina, auxílio emergencial, suporte a micro pequenos e médios empresários, entre outras.
E que tudo isso tenho como norte recolocar monstros no lugar de onde nunca deveriam ter saído.
Para alguns - tornar a conter seus monstros interiores em suas solitárias internas.
Para outros - a volta aos porões de onde foram libertados, de forma inconsequente.
Para o totem - um registro claro do que não deveria ter sido, para que nunca mais aconteça.
Pode parecer duro - e é.
Mas há momentos em que é preciso dar um basta, por uma questão de humanidade e, sobretudo, de primazia da vida em toda a sua pluralidade.
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Comentários
Eu costumo dizer que abriram as portas do inferno e soltaram todo o tipo de mostro existente!
Encontraram ambiente favorável e e se dissemiram como pragas de gafanhotos!
A tarefa de amenizar tudo isso não é fácil, contudo é necessário que se faça logo!
Mara Rosana Rosa - 18/03/2021 23h57
Texto muito bem argumentado, com elementos reais. E tem um grande número de pessoas que ainda acha que esse governo está certo. Por isso estamos nessa situacao à mercê do que ainda poderá acontecer. Mas eu como professora te parabenizo Paulo, pelas tuas sempre firmes posições e pela coragem no enfrentamento frente a esta situação sinistra que estamos vivendo.
MARINA BITENCORTE OLIVEIRA - 18/03/2021 12h08
Uma boa reflexão muito pertinente neste momento tão difícil.
Rosane - 18/03/2021 12h00
Texto intenso, forte, real, visceral e necessário. Parabéns pela coragem, Paulo!
Imagino o quanto tu deves ter sentido na alma, para escrever com tanta profundidade, para tocar nessa ferida exposta que é este cenário pelo qual passamos. Mas alguém tem que falar, escancarar, denunciar. Parabéns mais uma vez pela coragem em expor tuas posições!
É preciso sim, recolocar os monstros no lugar de onde nunca deveriam ter saído, e é já! Basta de acomodação! Que façamos do teu texto um grito de indignação e revolta perante tanta barbárie. Um grito de libertação!
Rose Bitencourt - 17/03/2021 21h14
É um roteiro de horror que se fosse ficção nunca seria imaginável como real e possível.
Imaginei muitos mundos futuros e possíveis, mas nunca imaginei uma realidade tão bestial quanto a produzida por esses monstros libertos.
Excelente e muito esclarecedora a sua coluna.
ADALBERTO PAULO KLOCK - 17/03/2021 20h57
Sabe Paulo,só nós uma vida inteira de oposição, sempre sofremos perseguição de toda a ordem,mas nós nunca alimentamos ou tivemos ódio de quem quer que seja,muito triste o que estamos vendo.O homem o único animal pensante é pensa e maldades aos seus semelhantes e aqueles a quem nós chamamos de animais nós dão a cada dia aulas de amor ,respeito e civilidade,muito triste
Helena - 17/03/2021 20h46