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23/10/2021 19h10 - Atualizado em 23/10/2021 19h25
Ponto de fervura
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Paulo Schultz
Professor
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Há, no mundo político, um ponto de fervura para cada momento, pauta ou movimento.
Para Bolsonaro, seu ponto de fervura foi no 7 de setembro.
Ele jogou a fervura ao máximo, na tentativa de ter uma condição política favorável para acuar as instituições, o STF principalmente.
Mas, como diz o ditado, faltou combinar com as instituições, e aí a fervura do capitão se foi no dia seguinte, 8 de setembro, com direito a ler cartinha de desculpas escrita por Michel Temer.
No outro lado, o ponto de fervura política contra Bolsonaro, veio se erguendo da virada do ano passado para este ano, quando a segunda onda da COVID começou a gerar uma escalada de mortes que chegou a atingir mais de 4000 mortes diárias no país, e o atraso do governo na compra e aplicação das vacinas se tornou uma coisa insuportável.
Isso, e mais a ruína social gerada (desemprego, milhões passando fome) e a economia cambaleante, com uma inflação crescente.
Vieram então a CPI da COVID, e, na sequência, a movimentação de rua pelo país, puxada pelos movimentos sociais, movimento sindical e pelos partidos de esquerda - o "Fora Bolsonaro".
Bem, sejamos realistas:
esse ponto de fervura passou.
O "Fora Bolsonaro" não conseguiu agregar setores da direita liberal, nem setores da classe média que, mesmo descontentes com o governo Bolsonaro, têm com ele uma divergência de compostura e de método, mas não de programa - principalmente na parte econômica.
Então a movimentação ficou restrita ao segmento da esquerda da sociedade brasileira.
E o ápice de participação e adesão já se deu.
A CPI também fez sua parte na elevação da fervura, trazendo à tona elementos de corrupção, crueldade, charlatanismo, negacionismo, etc, de Bolsonaro e membros de seu governo, articulados com outros setores da sociedade com a mesma linha de pensamento.
Mas também a CPI, culminando com seu relatório forte e consistente, tem aqui seu ponto de fervura política encerrado.
Temos então um quadro: o ponto de fervura política para Bolsonaro avançar em seu projeto pessoal de sociedade passou, e o ponto de fervura política para derrubar o governo Bolsonaro através de um impeachment também passou.
Temos agora um outro período pela frente.
Um período de arranjos e movimentações já em preparação ao ano eleitoral de 2022.
Com algumas coisas já cristalizadas, salvo acontecimentos mais drásticos.
Desde que encerrou seu ponto de fervura em 8 de setembro, e fechou sua boca convenientemente, Bolsonaro parou de cair em rejeição, e parou de cair em simulações de intenção de voto - apresentando uma leve melhora.
Ele sabe que terá um patamar mínimo em torno de 30% dos votos, com tendência a melhora, porque irá lançar mão de ações paliativas do governo na área social, como o auxílio Brasil ( um bolsa família remodelado), por exemplo.
Bolsonaro sabe que com esse índice tem vaga garantida no segundo turno da eleição do ano que vem contra o PT.
Será um candidato competitivo, com uma faixa de eleitorado fiel, com a máquina pública federal na mão, e com uma organização de comunicação poderosa via redes sociais.
Não será,portanto, fácil derrotá-lo.
Apesar de toda a ruína produzida e de todos os estragos em praticamente todos os segmentos da sociedade, é preciso que o PT, que a esquerda de uma forma geral, e que outros setores da sociedade, comprometidos com um mínimo de justiça social e com a democracia tenham isso claro.
Há um enfrentamento duríssimo a ser feito, daqui até outubro do ano que vem.
Passando não só por movimentações eleitorais, mas principalmente pelo dia a dia dos embates contra as propostas destruidoras que Bolsonaro e seu governo querem fazer vigorar no país.
Outros pontos de fervura política virão sequencialmente.
A temperatura em cada um deles fará a tampa da panela tremer.
Vencerá quem tiver mais resistência e habilidade para conduzir a fervura.
Para o tempo do espantalho da morte passar, será preciso muita movimentação muita habilidade, muita resistência, e muito convencimento.
Ao trabalho, portanto, e borbulhando.
Este artigo é de responsabilidade exclusiva do seu autor, não representando necessariamente
a opinião do portal.
Comentários
O único que pode dar um basta no Bolsonaro é a China, o bafo quente foi jogado no colo dos pecuarista, se chegar esse bafo quente no agronegócio, deu prá pro Bolsonaro....pois essa do dólar alto e só para não deixar os ricos perder $$$$$$.
Celita - 24/10/2021 05h53
Temos dias sóbrios pela frente...
Temo o pior, já vimos o suficiente para perceber que essa guerra já se iniciou...
Juliane Maier - 23/10/2021 23h11
Muito lúcida e pertinente tua reflexão, Paulo. Teu texto me faz pensar que temos muito trabalho pela frente, muita luta que irá borbulhar os ânimos. Esse pessoal é esperto e ardiloso. Não será fácil derrotar o bolsonarismo raíz, precisaremos ferver ao máximo e estar preparados para o derramamento. E que este não seja de sangue...
Rose Bitencourt - 23/10/2021 21h28
Como sempre, seus textos são muito lúcidos! Parabéns!
Neusa Machado - 23/10/2021 21h08