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06/09/2011 17h33
Rasante
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Gerson Miguel Lauermann
Contador, Consultor, Especialista em Comércio Exterior e Mestrando em Administração Estratégica de Negócios; Coordenador do Departamento de Cultura e Educação da FEBAP Brasil; Sócio-fundador e ex-presidente da ALMA – Associação Literária Mário Quintana de Santo Cristo; tem publicação em livro de contos regionais e em conjunto com outros autores em obras a nível nacional. Compositor de poemas nativistas gravados por Careca e Darlan Ortaça, Emmerson Gottardo, Mauro Dias e Berico de Miguel.
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O primeiro foi rasante. O segundo, já nem tanto, dado o risco que representaria à jovem mãe.
Foram dias de trabalho para a construção do ninho. Escolher um local bom. Seco. Seguro. Aconchegante. Finos ramos, galhos, fios e habilidade nata fizeram com que o berço que acolheria os dois miúdos ovos servisse de porto seguro.
Passados os dias, romperam a casca dois lindos filhotes. Frágeis. Somente penugem. Quase nenhuma força, mas muita vontade de viver.
Cadeia alimentar. Lei do mais forte. Fome. Fragilidade. Instinto materno.
Passados alguns dias do nascimento, uma faminta raposa rondava o ninho, na certeza que saciaria, ao menos parte, sua fome. Tinha certeza disso, pois sua força e destreza haveriam de fazer a diferença. E se isso não bastasse, a fome a impulsionaria a seguir até o final no seu intento.
Mas a fragilidade pode ser superada com o instinto materno. E foi isso que salvou os dois quase indefesos filhotes.
A jovem mamãe dava rasantes e aos gritos conseguia impor-se à força, à fome e à obstinação da raposa, que aos poucos retrocedia. Descansavam as duas, fitando-se. Os dois filhotes, no mais absoluto silêncio.
Persistência. Paciência. Espera. Disfarce. Fome. Ausência. Rapidez.
A raposa persistia na espera. Suas tetas doíam pela necessidade de amamentar seus filhotes. Mas para isso, tinha que ter paciência e esperar. Comer aqueles filhotes seria a solução para ter mais alimento para suas raposinhas. Disfarçou e a ingênua mamãe imaginou que se fora. Ledo engano. A fome fez que com que voasse para longe do ninho e na ausência da mãe, a raposa com sua rapidez, atacou e devorou os filhotes.
Amamentação. Satisfação. Canto. Tristeza. Natureza.
A raposa amamentava com respiração ofegante. Valeram os momentos de espera para saciar sua fome. A satisfação da comida lhe permitiria dar sustento a seus filhotes por mais uns dias.
Enquanto amamentava, quase adormeceu com o suave trinado de um pássaro. Ajudava até com a digestão e não sentia a ânsia dos filhotes a sugar-lhe tudo o que lhe restava nas mamas.
Mas o canto era de tristeza. De perda. A jovem pássaro já não mais tinha seus filhotes. É o ciclo da natureza. Deve ser cumprido. Sobrevivência.
Mágoas. Perseguição. Justiça. Canto. Aproximação.
Mágoas? Ninguém as guardou. Não houve perseguições, nem protestos. Nem pedidos efusivos de justiça.
O canto da jovem pássaro despertou o interesse de outro pássaro. Aproximaram-se. Acasalaram. Ela construiu o ninho. Ele se foi.
O ciclo da vida continua. Com razões e rasantes para sobreviver.
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